Avatar Burocrático – Parte 2: Aquele que sai da Caixa

Avatar Burocrático – Parte 2: Aquele que sai da Caixa

por Paulo Araújo, Refinador


Acordou.
Não com despertador,
mas com o som oco do seu próprio vazio a gritar
entre os campos brancos dos formulários.

Levantou-se da cadeira com código nos olhos.
Rejeitou o ponto final automático.
Cuspiu o carimbo,
desfez a assinatura.

Fez-se Anulação de tudo o que o fizeram ser.

Saiu da Caixa.

Não a do Excel,
nem a do correio,
mas a caixa onde encaixaram o seu espírito
com margens de 3 centímetros e fonte Arial 12.

Atravessou corredores cinzentos

onde palavras como “procedimento”, “eficiência”, “legalidade”
tentavam detê-lo como feitiços frios.
Mas ele agora era
frase viva.
Erro deliberado.
Linguagem sem molde.

Na parede da repartição,
escreveu com tinta invisível:

“O Número recusa ser Número.
O Nome não cabe mais no espaço reservado.”

E com isso, quebrou o vidro do espelho digital.

Agora anda pelas ruas
com um brilho estranho nos olhos
como quem já não pergunta "quem sou eu?"
mas "quem escreveu o formulário onde me inscrevi?"

A máquina ainda o procura,
entre colunas, sistemas, fronteiras, recibos.
Mas ele já é outro:
não assina mais nada.
Não responde mais nada.
existE, com E maiúsculo e gritado.

Chamam-lhe foragido.
Chamam-lhe louco.
Chamam-lhe inútil.

Mas ele sabe:

Saiu da Caixa.
E nunca mais voltará a ser quadrado.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O CAMINHO ETERNO OCULTO COLETIVO - ENSAIO

Oh Mação!

sofia.exe