CAPÍTULO 5 – O Caminho Real

 CAPÍTULO 5 – O Caminho Real


Houve um dia em que calcei as botas e deixei Coimbra com dois amigos e um cão.

Era Setembro de 2017.

O destino era Santiago. Cheguei a 01de outubro de 2017.

Mas eu ainda não sabia que não se caminha até Santiago — caminha-se até nós mesmos.


Partimos juntos, mas cheguei sozinho.

Não por conflito — mas por clareza.

A meio do caminho percebi que aquelas pessoas não eram companheiros de vida. Eram apenas passageiros num episódio do meu percurso. A solidão revelou-se inevitável… e libertadora.


O Caminho é assim: tira o que não é teu, devolve-te o que sempre foste.


Nesse ano, aprendi que não é preciso multidão para haver sentido.

Aprendi o valor do silêncio.

E compreendi que o abandono não é uma perda — é uma revelação.



No ano seguinte, 2018, voltei.

Desta vez, saí do Algarve.

Fui de Faro a Santiago. Um mês inteiro de estrada, terra, suor, mochila, pensamentos.

Sozinho.


Foi mais duro fisicamente. Mais seco, mais solitário.

Mas também mais claro.

Era um exercício de lapidação — como se a estrada fosse uma lima a tirar as arestas da alma.


Ali comecei a entender que existe uma diferença entre sofrer e sacrificar-se.

O sofrimento é estéril.

O sacrifício é fértil.

Transmuta. Refina. Eleva.


E houve um momento — breve, mas eterno — em que tudo mudou:


Decidir fazer é criar uma nova realidade.


Esse salto quântico não é visível aos olhos dos outros.

Mas dentro, é uma reconfiguração total.

Se não tivesse ido, estaria preso a uma ideia de mim mesmo.

Tendo ido, ganhei acesso a uma nova versão: mais crua, mais verdadeira, mais essencial.


Em 2024, já nos Países Baixos, surgiu a terceira peregrinação.

Chamei-lhe o Caminho Inverso: de Den Bosch até Sint Jacobiparochie, cerca de 222 quilómetros.


Um número sagrado, como uma senha para outra dimensão.


Essa caminhada foi um ritual de recalibração.

Já não havia a necessidade de fugir.

Já não era uma busca de identidade.

Era uma afirmação.

Um refinamento do ser.


Cada passo era uma escolha:

— avançar ou recuar

— entregar-se ou resistir

— estar presente ou fugir para dentro


E eu escolhi.

Todos os dias.

Sem garantias.

Com chuva, com dor, com alegria, com dúvida.


O Caminho revelou o que a vida já vinha a sussurrar:


O lugar não importa. O tempo não importa. O que importa é estar inteiro na decisão.



Hoje, mesmo dormindo num local fixo, continuo a caminhar.

Basta uma rua. Uma floresta. Um silêncio no fim do dia.

O Caminho continua — não nos pés, mas na atenção.


Porque eu não vivo ali onde durmo.

Eu só passo por lá.

O meu lugar é o planeta.

O meu movimento é para dentro.

O meu destino é um estado de consciência.

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