CAPÍTULO 4 – O Peso da Mochila e a Leveza da Decisão

CAPÍTULO 4 – O Peso da Mochila e a Leveza da Decisão



Quando o mundo fechou por causa do coronavírus, muitos sentiram que o chão lhes fugia.

No meu caso, já estava a caminhar sobre terreno instável — o vírus apenas empurrou-me para o movimento que eu já sentia ser inevitável.

Deixei Portugal e vim para os Países Baixos.

Sem rede. Sem promessas.

Comigo, trouxe apenas a minha experiência, o meu corpo treinado para resistir, e uma capacidade quase teimosa de adaptação. Fui trabalhar em armazéns.

O ambiente era pesado — física e psicologicamente. Mas resisti.


Durante meses carreguei caixas, paletes, e ausências.

Era como se cada produto que transportava simbolizasse algo que eu tentava resgatar dentro de mim: segurança, estabilidade, valor.

Depois, tornei-me entregador de compras pelo Albert Heijn.

Tenho a carta C+E, mas falta-me o COD-95.

Ainda assim, com a carta de C+E e Capacidade Profissional para Transporte Rodoviário Terrestre de Mercadorias Nacionais e Internacionais  obtida desde 2008 pela ANTRAM, o plano é claro: voltar a trabalhar por conta própria, com um camião, na estrada, na liberdade.


Mas o mais importante foi o que descobri nesse tempo:

Não é o emprego que te define.

É a forma como te moves dentro dele.


Mesmo com os horários longos, o GPS a ditar o caminho e a pressão do tempo, eu via tudo como um treino mental.

A cada cliente, uma oportunidade de presença.

A cada entrega, uma reafirmação de responsabilidade.

A cada trajeto, um mapa da minha persistência.

Comecei a perceber que o meu verdadeiro emprego era comigo próprio.

E que, apesar da aparência de rotinas repetitivas, algo maior estava em curso: um plano, uma missão, um refinamento.


Foi aí que a ideia do Übermensch anónimo se fortaleceu.

Não como alguém que domina, mas alguém que integra.

Alguém que não se exibe, mas que age com sentido.

Alguém que aceita o anonimato como disfarce da grandeza interior.


Nos arredores de Roterdão, entre um cliente e outro, entre um café numa pausa e um silêncio na bicicleta, fui montando o puzzle de mim mesmo.


E percebi: a minha vida inteira é um Caminho — e o Caminho de Santiago foi apenas o símbolo mais claro disso.

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