CAPÍTULO 6 – O Exílio Laborioso e a Dignidade dos Gestos Simples
CAPÍTULO 6 – O Exílio Laborioso e a Dignidade dos Gestos Simples
O exílio nunca é apenas geográfico.
É também um estado da alma.
Quando cheguei aos Países Baixos, não trazia muito além de mim. A mochila não pesava — mas a travessia era profunda. Ali, o silêncio do Caminho de Santiago tornava-se o silêncio das ruas industriais, das casas partilhadas, dos armazéns ruidosos.
Estou no estrangeiro — mas mais estrangeiro ainda dentro de mim.
Trabalhei em logística, carregando caixas que pareciam pesadas demais para um corpo habituado ao simbolismo. Mas foi ali, entre paletes e etiquetas, que o símbolo reapareceu: o trabalho físico era o novo mosteiro, e eu era o monge do gesto anónimo.
O ruído das máquinas era o mantra.
O fuso horário interno adaptava-se.
Mas a alma, essa, não cedia: observava.
Cada tarefa repetida — empilhar, embalar, carregar — tornava-se uma forma de meditação em movimento.
O silêncio que tinha aprendido nas caminhadas agora aplicava-se às rotinas laborais.
Servir no invisível.
Repetir com presença.
Agir sem alarde.
Ao contrário do que muitos pensam, o trabalho braçal não anula o espírito — revela-o.
É fácil falar de propósito quando se tem tempo. Difícil é manter esse propósito debaixo de luzes artificiais, com frio nos ossos e relógio no pulso.
Mas ali, eu treinava.
Treinava a alma a estar inteira onde o corpo estava.
Treinava a mente a não fugir para ilusões.
Treinava o coração a encontrar beleza onde a pressa a apagava.
O verdadeiro exílio não é estar fora do país.
É estar fora de si.
E o verdadeiro retorno começa quando mesmo longe, se começa a habitar cada gesto com verdade.
Houve noites em que pensei desistir.
Mas aprendi que mesmo o cansaço pode ser nobre — quando nasce da entrega, e não da fuga.
Com o tempo, comecei a subir: de armazém para a estrada. De empilhador para volante. De operário invisível para entregador presente.
Passei a conduzir carrinhas, depois camiões. Aprendi rotas. Aprendi regras. Mas, sobretudo, aprendi ritmo.
Não o ritmo do GPS — o ritmo do espírito.
Cada entrega é uma cerimónia.
Cada cliente, um altar.
Cada dia, um novo ritual de dignidade.
Não é o cargo que importa — é a presença.
Não é o salário — é a consciência.
E foi assim, nesse exílio laborioso, que redescobri o valor dos gestos simples.
Um bom-dia com intenção.
Uma entrega feita com cuidado.
Um trajeto respeitado com atenção plena.
Foi aqui, longe de casa, debaixo de regras que não escolhi, que me tornei mais inteiro.
E compreendi, com uma certeza serena:
Não é o cenário que define o protagonista.
É a maneira como ele caminha dentro dele.

Comentários
Enviar um comentário